STF: Leis formataram, aos poucos, as características da anistia no Brasil

28/08/2009 14:02

    Anistia política é um assunto recorrente na movimentação processual do Supremo Tribunal Federal. Já foram publicados 40 acórdãos (decisões do Plenário e das Turmas)sobre o tema, sendo que a maioria desses julgamentos (65%) aconteceu nos anos 80, especialmente nos primeiros anos da década. Outros sete acórdãos (17,5% dos casos) foram proferidos nos anos 90. Nos anos 70, houve somente cinco acórdãos e, após o ano 2000, o Tribunal decidiu sobre anistia em decisões colegiadas apenas por duas vezes. Na maioria dos casos, a União é uma parte do processo e a outra é a pessoa anistiada, ou que busca a anistia. Há também ações contra os estados da federação, mas em menor número. Desde 1979, vigora a Lei da Anistia. Contudo, ainda dez anos depois de editada, não estava claro como seriam feitas as reparações aos danos causados pelos militares e pela oposição na luta armada. A situação funcional de militares e as reparações financeiras são, desde essa época, os maiores motivos das ações que tramitaram ou tramitam no Supremo - embora com o passar do tempo e com a chegada de leis que regulamentam o tema, seja cada vez menor o número de processos sobre o assunto. Já houve, no STF, casos de policiais militares pedindo o direito à promoção e a diferenças de vencimentos em atraso, e de condenados definitivamente por terrorismo, sequestro, assalto e atentado pessoal, que pediam os benefícios da anistia. Também foram redigidos acórdãos de decisões da Corte a respeito da volta de servidores públicos demitidos, aos cargos que ocupavam anteriormente. Emenda 26 Quando a rígida estrutura do regime militar começava a namorar a possibilidade de se abrir gradualmente a um representante civil a cadeira da Presidência da República - que ocorreu em 1984 através de escolha por um colégio eleitoral - foi publicada a Emenda Constitucional 26, que modificou a Constituição em vigor na época e previu uma nova Carta. Em seu artigo 4º, a emenda se dedicava exclusivamente a dar parâmetros à anistia decretada em 1979. O artigo 4º reforçou a concessão de anistia a todos os servidores públicos civis da administração direta e indireta e aos militares punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Também foram anistiados os autores de crimes políticos ou conexos, e os dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como os servidores civis ou empregados demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política. Aos servidores civis e militares foram concedidas as promoções, na aposentadoria ou na reserva, ao cargo, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes. Os dependentes dos mortos em decorrência do regime também passaram a fazer jus à pensão. Além disso, a administração pública foi autorizada a readmitir ou reverter à ativa o servidor público anistiado. Pela primeira vez, ficou claro o direito aos "efeitos financeiros" gerados pelos atos de exceção, sendo que a remuneração não poderia ter caráter retroativo. A partir daí, a maior parte das ações ajuizadas no Supremo sobre anistia tinham como autores servidores civis e militares em busca de recolocação nos antigos postos ou, mesmo os aposentados, buscavam os benefícios garantidos a postos aos quais teriam sido promovidos não fosse o ambiente de instabilidade civil do País nas décadas de 60 e 70, principalmente. Em um dos acórdãos publicados nessa época, os ministros lembram, por exemplo, que a anistia concedida pela Emenda Constitucional 26/85 só se aplica aos militares punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares. Não aos expulsos, disciplinarmente, com base na legislação comum - o que era de fato o tema do pedido, negado pela Corte. Isso ficou mais claro em 1988. 1988 - uma nova Carta No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, promulgado junto com a Constituição de 1988, o artigo 8º ampliou a anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da atual Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares. Ela voltou a assegurar as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que os anistiados teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, e respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos. Atualmente, o entendimento do Supremo é o de que essas promoções outorgadas, na inatividade, pelo art. 8º do ADCT, são somente aquelas decorrentes de direito fundado na antiguidade, mas não as de expectativa vinculada ao critério de merecimento. O artigo 8º também estendeu benefícios da anistia aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou atos sigilosos. A partir de então, ficou mais fácil para o Supremo julgar os casos em que cidadãos questionavam seus direitos adquiridos em decorrência da anistia, afinal aquele ato fazia parte da nova constituição em vigor no País, que se tornou conhecida como "Constituição Cidadã". Lei 10.559/2002 A Lei 10.559 trouxe muito mais detalhes sobre o tratamento dispensado ao anistiado político e as indenizações pagas, mas ela só foi editada em 2002. A partir dessa data, só houve um acórdão do colegiado sobre anistia no STF, em Recurso Extraordinário (RE), e nele os ministros entenderam pelo arquivamento porque se tratava de um pedido de nova análise de provas, o que não pode ser feito em RE. Todas as outras decisões foram monocráticas (tomadas por um único ministro). A maior vantagem da lei 10.559, em relação às normas anteriores, foi a especificação do pagamento de reparação econômica aos anistiados ou às suas famílias, e como essa indenização seria paga pelo Tesouro Nacional - se em parcela única ou mensal, por exemplo. Os anistiados que tiveram de se afastar do desempenho das funções profissionais por motivos políticos puderam ter o tempo em que não prestaram serviço contado para o recebimento de benefícios, sem que se exigisse recolhimento previdenciário. Abriu-se, também, a possibilidade de aquelas pessoas que se graduaram durante o período que estiveram no exterior terem seus diplomas reconhecidos no Brasil. Por outro lado, quem teve de parar os estudos por conta das perseguições ocorridas durante o militarismo obteve a garantia de retornar às escolas e universidades públicas com prioridade, ou receberam bolsas de estudo no caso de cursos em escolas privadas. Aposentadoria O Decreto 4.897/2003, publicado um ano depois, regulamentou o artigo 9º dessa lei, e isentou de pagamento de Imposto de Renda os anistiados, seja a renda decorrente de aposentadorias, pensões ou proventos de qualquer natureza pagos a civis ou militares. Esse, ainda hoje, é um assunto levado ao Supremo em processos que tramitam na Corte sobre anistia. Neste mesmo ano, de 2003, houve uma curiosa decisão do ministro Celso de Mello, que foi seguida pela Segunda Turma: dar à viúva do guerrilheiro comunista Carlos Lamarca o direito aos benefícios assegurados pela Lei 6.683/79, a Lei de Anistia, e pela Emenda Constitucional 26. Maria Pavan Lamarca passou a receber os proventos de pensão militar correspondente ao posto de capitão de Exército, além dos valores referentes à correção monetária desde que a Lei de Anistia entrou em vigor, em 1979. A pensão foi calculada com base no tempo de serviço prestado por Carlos Lamarca ao Exército, computando inclusive o tempo em que ele se afastou para se refugiar na clandestinidade. Decisões monocráticas Mesmo nas ações distribuídas individualmente aos ministros sobre anistia, prevalecem sempre dois pedidos: a pessoa que recorre ao Supremo ou quer ser considerada anistiada ou quer receber os benefícios decorrentes do reconhecimento dessa condição. Em um caso decidido em 2007, por exemplo, o ministro Sepúlveda Pertence aplicou o artigo 10 da Lei da Anistia (6.683/79) para determinar o retorno de um grupo à Marinha, com as promoções cabíveis. Eles deveriam ser efetivados no quadro de reformados, ao posto a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, observados os prazos de permanência de cada um em atividade.

Extraído de: Procuradoria Geral do Estado do Mato Grosso